entraves regulatórios à pesquisa científica com Cannabis no Brasil

O Brasil tem vivido uma incongruência normativa que impacta diretamente o desenvolvimento científico e tecnológico no campo da Cannabis sativa L.
Apesar dos avanços no debate público e jurídico sobre o tema, ainda vivemos sob o peso de uma regulação tímida, restritiva e desatualizada, a RDC nº 659/2022 da Anvisa, publicada com a proposta de disciplinar a importação de produtos à base de Cannabis para fins científicos e medicinais, acabou por se tornar um travanca para o progressão da pesquisa, principalmente no que se refere às Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) privadas.
A norma restringe sua emprego às chamadas “instituições de ensino e pesquisa”, sem reconhecer expressamente as ICTs porquê legítimas promotoras de estudos científicos, ainda que estejam registradas no CNPq, reconhecidas porquê sem fins lucrativos, e operem exclusivamente com objetivos científicos.
A exclusão não encontra respaldo constitucional, permitido ou técnico – e resulta em um bloqueio burocrático que impede o florescimento de uma ciência aplicada, autônoma e voltada às necessidades sociais e ambientais do país.
É preciso lembrar que a Constituição Federalista de 1988, em seu cláusula 218, afirma que “o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica”. Mais ainda: o Marco Lítico da Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei nº 13.243/2016) reconhece expressamente, no cláusula 2º, inciso IV, as Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs), públicas ou privadas, porquê protagonistas legítimas do sistema vernáculo de inovação.
Adicionalmente, a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), em seu cláusula 2º, autoriza de forma clara o cultivo e a manipulação de vegetais proscritos, porquê a Cannabis, para fins medicinais ou científicos, desde que previamente autorizados pelo poder público. Portanto, o que falta não é lei, mas regulamentação técnica sensível à pluralidade das instituições que produzem ciência no país.
O problema é que a RDC 659/2022 foi construída a partir de uma visão conservadora, que enxerga a pesquisa exclusivamente no envolvente universitário formal, desconsiderando a existência de ICTs independentes, institutos de pesquisa credenciados e centros de tecnologia aplicada que, muitas vezes, possuem mais infraestrutura e rigor técnico do que faculdades privadas de pequeno porte.
No caso da Cannabis, essa limitação é particularmente grave. Porquê a RDC não prevê o cultivo vernáculo da vegetal nem mesmo para fins científicos, os pesquisadores são obrigados a importar extratos prontos do exterior, o que encarece os projetos, limita as amostras e gera sujeição tecnológica de países que já regulamentaram o tema com base em ciência e soberania. Na prática, o Brasil se coloca à margem da inovação biomédica, agrícola e industrial associada à Cannabis, mesmo tendo clima,
biodiversidade e capacidade técnica de sobra para liderar a tarifa na América Latina.
No Instituto de Ciência e Tecnologia Cannabis Brasil (ICTCB), temos recebido pedidos constantes de parceria de universidades, laboratórios e startups interessadas em validar tecnologias derivadas do cânhamo e de outras variedades da vegetal. Entretanto, não podemos sequer iniciar protocolos experimentais com cultivo, ainda que levante seja feito de forma controlada, com rastreabilidade, sem finalidade mercantil, e exclusivamente voltado ao progresso científico.
A instabilidade jurídica e a falta de uma autorização próprio para cultivo experimental inviabilizam o progressão de pesquisas urgentes, que vão desde estudos farmacêuticos até aplicações em biotecnologia ambiental.
É preciso reconhecer que a Anvisa perdeu a oportunidade de incluir as ICTs na RDC 659/2022, e com isso deixou de fomentar um ecossistema científico mais expedito, plural e eficiente, é necessario rever a norma.
É desejavel estabelecer critérios técnicos objetivos que permitam o cultivo científico institucional, com controles sanitários, rastreabilidade e responsabilidade institucional, porquê já ocorre com outras substâncias sujeitas a controle próprio.
O país precisa deliberar: continuará importando conhecimento ou passará a produzi-lo? A ciência com Cannabis não pode depender de autorizações judiciais casuísticas, tampouco da tradução subjetiva de servidores públicos que negam o que a lei já permite. A regulamentação sanitária deve servir à ciência – e não bloqueá-la.
A revisão da RDC 659/2022 é urgente, não exclusivamente para emendar uma preterição técnica, mas para alinhar o Brasil aos valores constitucionais da pundonor humana, da saúde e da liberdade científica. Estamos diante de uma vegetal com potencial terapêutico, agrícola e industrial inquestionável. Cabe à Anvisa e aos órgãos reguladores gerar as condições para que esse potencial seja estudado com rigor, moral e independência, e não continuar impondo barreiras para quem procura conhecimento.
A ciência brasileira não pode ser tratada porquê risco sanitário. Ela é, na verdade, a melhor instrumento de proteção à vida e de construção de um horizonte mais justo, sustentável e soberano.
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