A revisão da RDC 327 e a disputa pelo mercado de cannabis medicinal brasileiro

A revisão da RDC 327 e a disputa pelo mercado de cannabis medicinal brasileiro

 

A proposta de revisão da Solução da Diretoria Colegiada 327 de 2019, submetida pela Anvisa à consulta pública na semana passada’, só pode ser entendida à luz da disputa que se trava atualmente pelo mercado brasílico de cannabis para uso medicinal. E essa guerra tem dois polos principais. De um lado, estão as indústrias que vendem produtos de Cannabis em farmácia (via RDC 327). De outro, empresas estrangeiras que exportam produtos para pacientes brasileiros, pelo mecanismo de outra RDC, a 660 de 2022. No meio, estão os pacientes que, sem entender ou participar da revisão dessas normas, podem ter seu entrada ao tratamento com canabinoides prejudicado no horizonte.

Por isso, nessa primeira pilastra para o Sechat não vou falar de nenhuma mudança específica proposta na Consulta Pública. Em vez disso, vou recontar um pouco do que está em jogo desde a geração e agora com a revisão da RDC 327. Depois disso, vai permanecer mais fácil examinar o porquê das alterações propostas pela Anvisa e quais seus efeitos para o mercado.

Em 2019, a RDC 327 foi criada pela Anvisa para naturalizar o mercado de produtos à base de Cannabis. Na norma, autodeclarada “fenomenal e transitória”, a Filial criou uma categoria sanitária, chamada de “Produtos de Cannabis”. Para se enquadrar nela, os produtos precisam ter controle de qualidade farmacêutico, mas não precisam ter eficiência comprovada por estudos clínicos, uma vez que se exige de qualquer medicamento, pelo prazo de cinco anos.

A Solução 327 deu à indústria farmacêutica lugar o recta de disputar uma fatia do mercado de derivados de Cannabis, que em 2020 crescia mais de 100% ao ano, sem fazer os investimentos que normalmente ela precisa fazer antes de colocar um resultado na prateleira. Foi um modo mais barato e rápido de furar o mercado para essas empresas. Depois, com um perceptível número de medicamentos de Cannabis registrados, a Anvisa poderia “fechar” a 327 e vida que segue. Só que deu inverídico.

Deu inverídico porque em 2020, quando os primeiros frascos de CBD chegaram às farmácias, já havia mais de 40 milénio brasileiros com autorização para importar canabidiol para uso pessoal. Desde 2014, quando a demanda por cannabis para uso medicinal explodiu no Brasil, tudo que a Anvisa fez foi produzir e atualizar regras para permitir e simplificar a importação desses produtos por pessoas físicas.

Quando a Prati Donaduzzi colocou seu CBD só importado do Reino Unificado para vender muito custoso nas farmácias locais, os brasileiros já importavam óleos muito mais baratos, prescritos com receituário simples, que chegam na porta da sua vivenda e funcionam. Prático, barato, eficiente.

É ótimo tomar remédios com um controle de qualidade altíssimo uma vez que o farmacêutico para, assim uma vez que é superior a missão da Anvisa de ampliar seu controle sanitário. Mas a verdade é que nem sempre é necessário. A maioria dos óleos importados para o Brasil vêm dos Estados Unidos, onde são regulados uma vez que suplementos alimentares. Lá, vendem-se no aeroporto e no posto de gasolina. Ninguém morre. O paciente brasílico importa o suplemento para epilepsia, dor, sofreguidão, e o suplemento funciona. Os médicos percebem isso, os pacientes também. Uma vez que inclusive relata a Estudo de Impacto Regulatório da Anvisa sobre Cannabis para fins medicinais, divulgado ano pretérito.

É simples que algumas pessoas podem completar lesadas, comprando óleo de maus fornecedores e levando menos CBD do que pagaram. Ou mais THC do que gostariam. É por isso que tanto médicos uma vez que pacientes são obrigados assinar um termo de responsabilidade no qual tomam ciência e assumem quaisquer riscos associados à récipe e consumo do resultado. É problema deles. No texto da RDC 660, a Anvisa lava suas mãos de responsabilidade.

Difícil para a indústria competir. “Para quê remunerar tão custoso no de farmácia, se o suplemento indicado pelo meu médico é mais barato e funciona tão muito?”, pensa o paciente. Quem conhece a rota do importado, fica por ali. Por isso, as indústrias farmacêuticas não investiram pesado nos ensaios clínicos necessários para provar eficiência e registrar seus produtos uma vez que medicamentos. São estudos que custam milhões de dólares. Se os importados continuarem liderando o mercado vernáculo, vai demorar mais para as farmacêuticas pagarem essa conta.

Só que o bolo do mercado de CBD aumentou demais para a indústria desistir tão facilmente. Em 2022, aquelas 40 milénio autorizações de importação já eram 160 milénio – o mercado quadruplicou em dois anos. Depois da Prati, veio a Biolab, a Mantecorp, a Eurofarma, a Hypera. Cinco das 20 maiores indústrias farmacêuticas do Brasil entraram no mercado.

Com a Big Pharma brasileira no jogo, as vendas cresceram mais rápido, em 2024. Mas, mesmo com toda a estrutura de marketing que essas empresas têm, seu totalidade de pacientes vagar a se aproximar do que têm as importações. Estimativas dão conta de que as vendas em farmácia representam atualmente 50% do que se fatura via importação, em valor. Logo, em outubro pretérito, a guerra fria que se travava nos bastidores esquentou, com um ataque direto do ex-presidente do Sindusfarma Nelson Mussolini à RDC 660.

Em ofício à Anvisa, o Sindicato da Indústrias de Produtos Farmacêuticos pediu a revogação da norma, “de modo a priorizar o entrada a produtos regularizados na Filial, contribuindo para o fortalecimento do mercado interno”.  Argumentou que os produtos da RDC 600 “não possuem registro uma vez que medicamento em seus países de origem”, que têm “em alguns casos grandes quantidades de THC” e que com a “evolução no cenário vernáculo não há mais a urgência de uma regulamentação específica para importação direta de produtos de cannabis por pessoa física”.

Curiosamente, é o mesmo rol de argumentos que o diretor da Anvisa, Rômison Rodrigues, expressou em seu voto uma vez que relator da revisão da RDC 327 na reunião da semana passada: a falta de registro dos produtos importados uma vez que medicamentos, a superlativização do risco do THC, o caráter fenomenal da norma e a demanda para “que ampliem o entrada dos pacientes exclusivamente a produtos regularizados junto à Anvisa”.

O tema da discussão era a RDC 327. O relator fez questão de transpor da taxa e usar nove das 22 páginas da estudo para se posicionar em prol de uma revisão da RDC 660. Ele sabe que disso depende a sobrevivência da RDC 327 – mais até do que a revisão da norma que era o ponto do dia. E a Anvisa está disposta a salvar o quanto antes sua regulamentação transitória e fenomenal. Porque se daqui a cinco anos as vendas em farmácia continuarem perdendo para a dos importados, dificilmente qualquer medicamento será registrado pelas companhias que hoje têm autorização sanitária. E assim seria preciso prorrogá-la mais uma vez.

Acontece que a pedra no sapato que a RDC 660 representa para a Anvisa e a indústria farmacêutica existe por obrigação judicial, graças ao uma Ação Social Pública do Ministério Público Federalista contra a União para prometer o entrada dos brasileiros a produtos de Cannabis. Logo, a Anvisa não pode simplesmente revogá-la, uma vez que solicitou formalmente o Sindusfarma. Mas pode revisá-la, uma vez que foi proposto.

Independentemente da obrigação judicial, o veste a mourejar é que a importação direta ainda é a melhor e mais barata opção de entrada para os pacientes, ao contrário do que argumenta o Sindusfarma. O mercado de importados tem maior flutuação de produtos, os preços são muito melhores e sua compra é demorada, mas relativamente simples. Se algumas pessoas preferem essa opção, e o fazem com ciência de qualquer risco de qualidade ou sanitário, não deveriam ter seu recta restrito.

Para seguir sua missão e proteger a saúde da população, a Anvisa precisa atuar uma vez que mediadora dessa guerra entre empresas nacionais e estrangeiras, sem tomar partido de umas ou de outras. Ela pode fazer isso ajustando a RDC 327 para aumentar a capacidade das farmacêuticas de competir, ou modificando a RDC 660 para dificultar a importação, a término de restringir a competição no mercado vernáculo (um pouco que poderia contrariar a decisão judicial que a sustenta).

Indo pelo caminho de restringir a importação, a Anvisa protege as grandes indústrias farmacêuticas nacionais, ao dispêndio de dificultar a vida das centenas de milhares de pacientes que veem vantagem em importar derivados de Cannabis. Não é um estabilidade simples, mas que precisa ser conquistado.

A RDC 660 não precisa ser vista uma vez que uma pedra no sapato dos industriais brasileiros, e sim uma vez que um incentivo para que as farmacêuticas brasileiras se tornem mais competitivas. Se fosse verdade que os produtos da RDC 327 já atendem os pacientes brasileiros satisfatoriamente, não seria preciso um sindicato produzir ofício pedindo a revogação das importações por pessoas físicas. Se a RDC 660 um dia completar, que seja por falta de urgência, não pela mediação externa de um grupo econômico bilionário, na opinião desse colunista.

Com esse histórico, espero que tenha oferecido para entender melhor uma vez que essa revisão da RDC 327 se insere no contexto do mercado brasílico de cannabis pra uso medicinal, e qual a posição da Anvisa nessa disputa. Agora vai permanecer mais fácil entender o significado e o impacto das mudanças propostas na consulta pública, na próxima pilastra. Até lá.

 

*O texto reflete exclusivamente a opinião do responsável, não representando, necessariamente, o posicionamento editorial da Sechat. Nosso compromisso é oferecer um espaço plural para debates sobre o mercado de cannabis medicinal, garantindo informação qualificada e isenta aos nossos leitores.

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