A canábis é uma substância altamente imiscuída na sociedade portuguesa, ainda que seja proibido a sua comercialização. Ficou prometido, no início das minhas crónicas, que um dia escreveria acerca dela. Nessa profundidade estava a chegar ao Canadá e a alguns estados dos Estados Unidos da América a legalização da substância. Penso que hoje essas experiências nos deram informação preciosa para pensarmos o que queremos fazer em Portugal. Uma vez que dizia o psiquiatra Sir Robin Murray num congresso: é muito dispendioso fazer estudos científicos de qualidade, mas os americanos são gratuito.
Quando falamos de canábis, talvez seja bom esclarecer do que falamos, porque parece que a caixa que abrimos é bastante extensa – a canábis fumada tem diversos graus de intensidade consoante a sua relação THC/CBD; há vários produtos de canábis e nem todos são fumados; há finalidades recreativas e medicinais; há outros compostos menos conhecidos na canábis que podem também merecer a nossa atenção. Nesta crónica, porque acredito que é a dimensão que mais se enquadra na minha prática profissional, vou falar dos efeitos da canábis fumada recreativamente e não de outras formulações ou da canábis medicinal. É também relevante proferir que o ponto de vista do qual comunico em relação à canábis é enviesado: muitas vezes somente falo da população que fica em risco de desenvolver doença – isso tem relação com os casos que aparecem nos serviços de urgência e nos internamentos de psiquiatria, que são aqueles com os quais contacto. Ainda assim, importa proferir que olhando para a população universal, estas pessoas representarão uma minoria. Só que é uma minoria que vê a sua vida muito prejudicada numa período em que é típico que se tenha comportamentos de risco. Para que a escolha dos riscos a passar seja livre e esclarecida – mesmo que por vezes pouco ponderada – há que possuir informação.
“Um pequeno passo que poderia estrear hoje: a prelo deveria deixar de se referir à grama uma vez que uma droga ligeiro. É mais do que evidente que não só não é, uma vez que pode afetar precocemente a vida de pessoas que tenham predisposição para o emergência de doença psicótica.“
Dos dois componentes referidos detrás, THC ou tetrahidrocanabinol e CBD ou canabidiol, aquele que se assume uma vez que prejudicial ao normal funcionamento do cérebro é o THC. O CBD vem sendo explorado uma vez que sendo potencialmente neuroprotetor, mas ainda não há evidência que permita tirar conclusões definitivas. Quando falamos de THC, sabe-se que a evolução da sua concentração na grama “fluente” tem sido exponencial ao longo dos anos – nos anos 70 olhávamos para concentrações médias inferiores a 2% nas grandes cidades e atualmente estamos a olhar para concentrações médias na ordem dos 16%. O grande problema deste aumento, feito através da adulteração da vegetal original para “dar mais moca”, é que a partir dos 7%, é considerado que o risco de a grama funcionar uma vez que “gatilho” para o emergência de psicose aumenta bastante (embora a grama na maioria dos estudos atuais seja considerada de subida potência somente a partir dos 10%). Isto leva a que mais pessoas – que poderiam nunca desenvolver uma psicose na vida – acabem por desenvolver episódios psicóticos, que em mais de metade dos casos evoluiu para esquizofrenia: uma doença crónica, que afeta a capacidade cognitiva e de socialização dos doentes que dela sofrem e que se torna, numa proporção bastante grande dos casos, muito limitante. Um estudo recente refere que a canábis de subida potência pode aumentar o risco de um jovem desenvolver esquizofrenia entre duas a quatro vezes. A esquizofrenia, uma vez que qualquer outra doença psicótica, é caraterizada por quebra de contacto com a veras, na qual as pessoas sofrem delírios e alucinações (esta crónica escrita para a Comunidade Cultura e Arte discorre acerca desta doença com mais pormenor).
Para além do texto de THC da grama, o outro grande fator de risco a ter em conta para o emergência de episódios psicóticos aquando do consumo, é a idade. As idades de maior risco são desde o início da juventude até aos 25-30 anos. A partir daí, com os cérebros com menor plasticidade e com as suas ligações habituais mais muito estabelecidas, o risco torna-se substancialmente menor. Um dos grandes problemas: por falta de informação, as faixas etárias onde é mais geral que se fume regularmente parecem ser as de maior risco de desenvolvimento de doença. Para ou por outra, não dispomos de testes que nos consigam proferir quem vai ou não vai desenvolver um quadro psicótico fumando grama – é uma roleta russa.
Dependendo das cidades e da intensidade da grama que nelas circula, o número de psicoses evitáveis parece ser dissemelhante. Nalgumas cidades aponta-se para 12% de psicoses evitáveis, noutras esse número chega aos 30%. O que é que isto quer proferir? Que ainda que seja uma franja pequena dos fumadores que vão desenvolver psicose, é um número muito relevante dessa franja que se teria mantido saudável caso não tivesse fumado. Dá peso suficiente ao tema para que seja importante pensar uma vez que organizamos as nossas políticas públicas de maneira a proteger a nossa população jovem – e é aí que entra a vantagem de ser barato estudar os americanos.
Desde a legalização noutros países e em alguns estados nos EUA, há resultados díspares entre estudos, embora os estudos mais recentes apontem para resultados negativos para a saúde mental, com um aumento da incidência de psicose. Para ou por outra, várias fontes reportam os mesmos fenómenos: o leque de consumidores aumentou com a liberalização, promoção e publicidade; passou a possuir uma sensação de que a substância é segura por ser validada pelo Estado; o aumento de consumidores levou a que mais gente procurasse ervas que “batessem mais” do que aquelas que tinham os índices de THC/CBD regulados, levando a um aumento do mercado preto onde essas estirpes são vendidas.
Eu não pretendo, pelo meu viés de psiquiatra, ter uma posição vincada acerca da legalização ou não da canábis em Portugal. Aquilo que pretendo é que seja tido em conta o peso que essa legalização pode ter na vida de algumas pessoas, numa período precoce do seu desenvolvimento – os decisores terão de sentir a responsabilidade da decisão que tomarem. Embora entenda as vantagens teóricas de um protótipo de legalização, penso que podemos usar os americanos e canadianos para nos fundar: a semana passada no congresso europeu de psiquiatria houve um debate acerca deste tema. Perguntei ao psiquiatra que defendia o lado favorável se conhecia qualquer bom exemplo da implementação do protótipo de legalização – não foi capaz de responder. Disse somente que era uma questão de justiça social. Para mim, foi resposta suficiente para me mostrar que ainda temos muito que pensar antes de partir para uma legalização meramente política. Entendo que a sociedade é feita de riscos. As pessoas podem resolver consumir determinadas substâncias com base naqueles que querem passar. Isto é válido para o açúcar, para o álcool e para o tabaco, por exemplo. Mas se substâncias diferentes têm diferentes idades de permissão de consumo, seria a grama passível de ser lítico se somente pudesse ser comprada a partir dos 30 anos? É uma possibilidade que vale a pena discutir. Faria sentido possuir campanhas de sensibilização da população acerca dos riscos da canábis antes de possuir uma aprovação de qualquer tipo? Penso que seria obrigatório.
Neste contexto, um pequeno passo que poderia estrear hoje: a prelo deveria deixar de se referir à grama uma vez que uma droga ligeiro. É mais do que evidente que não só não é, uma vez que pode afetar precocemente a vida de pessoas que tenham predisposição para o emergência de doença psicótica.
Outros componentes da canábis uma vez que o HHC, ou hexahidrocanabinol começam a ser consumidos sem que haja ainda ciência suficiente para que se lhe conheçam totalmente os efeitos e sem que exista regulação. Aparentemente, também nesse ignorância há riscos potenciais, com leste “canabinóide semissintético” obtido através do THC a ver já reportados episódios psicóticos depois consumo.
O objetivo desta crónica é somente o de levar informação às pessoas, porque é o que considero que fará a diferença no que diz reverência ao consumo recreativo de canábis no longo prazo – em próprio no campo da grama de subida potência. A opinião que cá deixo é baseada em diversos artigos científicos e interações em congressos da especialidade. A forma mais fácil de os pesquisar é através dos artigos do Sir Robin Murray, Marta di Forti, Diego Quattrone e restante equipa no lado que tipicamente fala dos riscos da legalização e dos trabalhos de Renè Keet, do lado que tipicamente é favorável à legalização.
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